Fruto da Comissão de Enfrentamento dos Impactos da Pandemia da Covid-19, a iniciativa inclui micro, pequenas e médias empresas.
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Data da publicação: 2 de agosto de 2020
Fonte: Consultor Jurídico – Conjur
Autoria: Cristiane Ianagui Matsumoto, Lucas Barbosa Oliveira e Nayanni Enelly Vieira Jorge
Em um cenário de possível reforma tributária, as discussões sobre o excesso da carga tributária e a complexidade da malha legislativa brasileira concorrem, invariavelmente, para debates em torno das restrições práticas impostas aos contribuintes na busca de alternativas que minimizem o ônus fiscal.
Esse é o contexto que perpassa o mérito da ADC 66, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF). A controvérsia, levada à apreciação pela Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM), pretende a declaração de constitucionalidade do artigo 129 da Lei no 11.196/2005 [1], que determina que, “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais”, entre eles os de natureza científica, artística ou cultural, “se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.
Embora a literalidade do dispositivo legal não deixe dúvidas acerca da legitimidade da adoção de regime fiscal e previdenciário mais favorável na constituição de pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais, na prática, tanto os auditores da Receita Federal do Brasil quanto os Tribunais Regionais Federais (TRFs), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e mesmo os órgãos que compõem a Justiça do Trabalho têm afastado a aplicação da norma.
De maneira geral, o direito dos contribuintes é afastado a priori, sob o fundamento de que a aplicação do artigo 129 da Lei no 11.196/2005, popularmente conhecida como o fenômeno da “pejotização”, caracterizaria, de antemão, intuito de burlar o Fisco.
Sob esse aspecto, a ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas a supostos empregados, pessoas físicas, tem ensejado uma série de autuações no âmbito administrativo, as quais se amparam, principalmente, na previsão do artigo 229, §2º do Regulamento da Previdência Social [2].
Outro argumento corriqueiro para afastar a aplicação do artigo 129 da Lei no 11.196/2005 se relaciona à interpretação de que a prestação de serviços intelectuais por profissionais autônomos não admitiria a presença dos elementos caracterizadores do vínculo empregatício na relação do prestador com o contratante dos serviços, tais como subordinação de fato e de direito, exclusividade, onerosidade, pessoalidade e habitualidade.
Embora não se menospreze, caso a caso, a necessidade de demonstração da existência dos requisitos essenciais para a caracterização da relação empregatícia, a disposição do artigo 129 da Lei no 11.196/2005 evidencia a intenção do legislador ordinário de fragmentar as esferas fiscal, previdenciária e trabalhista. (…)
Nesse aspecto, o afastamento do artigo 129 da Lei no 11.196/2005 deve observar os critérios atinentes à desconsideração da personalidade jurídica [3], reclamando a comprovação, no âmbito do Poder Judiciário, da utilização de meios ilícitos, como fraudes ou simulações. As autoridades administrativas, por sua vez, não podem desqualificar o regime jurídico adotado de maneira desmotivada e ilegítima, sob pena de caracterização de violação ao princípio da autonomia patrimonial das empresas, ao princípio da livre iniciativa e da autonomia empreendedora.
No mesmo sentido, tivemos importantes disposições introduzidas recentemente no ordenamento jurídico pela MP da Liberdade Econômica (convertida na Lei no 13.874/2019), “que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”.
Esses argumentos foram considerados pela ministra Cármen Lúcia, Relatora da ADC 66, que proferiu voto favorável ao contribuinte, declarando a constitucionalidade do artigo 129 da Lei no 11.196/2005, sob pena de indevida interferência econômica nas atividades empresariais e na liberdade econômica constitucionalmente garantida.
O racional utilizado pela relatora encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, nos autos da ADPF 324, afirmou a licitude da terceirização da atividade, meio ou fim, considerando que tais hipóteses não implicariam na caracterização de relação de emprego entre contratante e o empregado contratado. Naquela ocasião (agosto de 2018), decidiu-se que a mera cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas, por si só, não configuraria vínculo empregatício e tampouco caracterizaria intuito fraudulento. (…)
Embora esse paradigma caracterize uma grande vitória, os contribuintes deverão continuar se resguardando para possíveis questionamentos judiciais, com o intuito de demonstrar a inexistência de eventuais abusos contratuais ou de contrariedade ao direito.
[1] “Artigo 129 — Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”.
[2] “§2º. Se o Auditor Fiscal da Previdência Social constatar que o segurado contratado como contribuinte individual, trabalhador avulso, ou sob qualquer outra denominação, preenche as condições referidas no inciso I do caput do artigo 9º, deverá desconsiderar o vínculo pactuado e efetuar o enquadramento como segurado empregado”.
[3] Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).