Constitui um dos grandes julgamentos do STF, a constitucionalidade da penhora de bem de família de fiador de contrato de locação.
Foi com base neste entendimento, que em 2014, o STJ julgou sob o rito dos julgamentos repetitivos, o Recurso Especial nº 1363368/MS, culminando, posteriormente, na edição da Súmula 549 daquele Tribunal.
Acontece que em acórdão publicado em 18 de fevereiro de 2019, a Primeira Turma do STF decidiu que, em se tratando de contrato de locação de imóvel comercial, deve ser protegido o bem de família do fiador que figura na avença locatícia.
Isto porque, segundo os termos do voto da Ministra Redatora do Recurso, Min. Rosa Weber, a jurisprudência do STF, que admitiu a penhora de bem de família de fiador de contrato de locação, disse respeito apenas à locação residencial, devendo o imóvel comercial ser protegido pela Lei nº 8.009/90. Veja-se, abaixo, o voto da Ministra:
“A reafirmação da jurisprudência, no aludido apelo extremo paradigmático, teve por base precedentes que enforcaram a fiança prestada para viabilizar locação residencial, como bem ressaltou o Ministro Roberto Barroso, na presente assentada, em voto-vista, proferido depois da manifestação do Ministro Dias Toffoli (…) Realçada a diferença entre as premissas fáticas que orientaram o paradigma julgado sob o regime da repercussão geral e as presentes no caso concreto (distinguishing), reitero a incompatibilidade, a meu juízo, da penhora de bem de família do fiador em contrato de locação comercial com o direito fundamental socia à moradia, bem como o princípio isonômico, veiculado no art. 5º, caput, da Magna Carta”
Assim, muito antes da publicação do supramencionado julgado do STF, fiadores de contratos de locação não residenciais buscaram no Poder Judiciário a proteção legal de seus bens de família, fundamentando-se nas premissas da decisão proferida pelo STF em junho de 2018.
Entretanto, julgados recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, desconsideram a decisão proferida pela Primeira Turma do STF em razão da ausência de caráter vinculante da matéria. Neste sentido, confiram-se as ementas dos julgados:
RECURSO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL – FASE DE CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. Alegação de decisão superveniente proferida por uma das Turmas do C. STF (RE 615.709), que afasta a penhora de bem de família de fiador em contrato de locação comercial. Acórdão embargado que rejeitou a alegação de impenhorabilidade de bem de família na hipótese, com fundamento em decisão proferida pelo C. STJ, em sede de julgamento de recurso repetitivo (REsp. 1363368-MS), de observância obrigatória (art. 927, III, do CPC), e está de em consonância com o entendimento cristalizado na Súmula 549/STJ. Decisão do E. STF que não possui efeito vinculante, não sendo a mesma suficiente para alterar o entendimento sedimentado na Súmula 549 do C. STJ. Recurso de embargos de declaração conhecido e acolhido, com efeito integrativo do julgado, nos termos do art. 1.025 do CPC e das Súmulas 211 e 282/STJ e 356/STF. (TJ-SP – ED: 20687084420188260000 SP 2068708-44.2018.8.26.0000, Relator: Marcondes D’Angelo, Data de Julgamento: 14/02/2019, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2019) (grifo nosso);
PENHORA – Insurgência contra constrição de bem imóvel – Previsão legal expressa, no art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90, no sentido de não ser a impenhorabilidade oponível em caso de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação – REsp 1363368/MS (representativo de controvérsia) e Súmula 549 do STJ Decisão de uma das Turmas do STF, na qual se fundam, precipuamente, as razões recursais, que, ao reverso do julgado do STJ que embasou a decisão agravada, não se reveste de efeito vinculante – Não identificação, na espécie, de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, em decorrência da penhora de parte do imóvel que o agravante, voluntariamente, deu em garantia, em contrato de locação – Confirmação da decisão agravada – Recurso improvido.” (TJSP A. I. nº 2251558-66.2018.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Privado, Rel. CAIO MARCELO MENDES DE OLIVEIRA, j. 10.01.2019) (grifo nosso);
AGRAVO DE INSTRUMENTO – LOCAÇÃO DE IMÓVEL – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR – POSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 3º, INCISO VII, DA LEI Nº 8.009/1990 – CONSTITUCIONALIDADE DA EXCEÇÃO RECONHECIDA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO STF SÚMULA EDITADA PELO STJ – NOTÍCIA RECENTE DE RECONHECIMENTO DA IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL DE FIADOR EM LOCAÇÃO COMERCIAL QUE NÃO MODIFICA O CASO SOB EXAME – DECISÃO MANTIDA – INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 85, § 11, DO CPC – AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NADECISÃO RECORRIDA – RECURSO DESPROVIDO.(TJSP; Agravo de Instrumento 2167872-79.2018.8.26.0000; Rel. Cesar Luiz de Almeida;28ª Câmara de Direito Privado; j. 02/10/2018) (grifo nosso)
Em que pesem as decisões proferidas pelo TJSP, é fato que o acórdão do STF aponta para uma possível revisão do entendimento da Corte sobre o tema, eis que foi reconhecido o distinguishing entre a matéria anteriormente decidida, por se tratar de imóvel residencial e a matéria objeto da decisão recentemente publicada, que versa somente sobre a proteção de bem de família de fiador em contratação comercial de imóvel.
Ademais, a consequência da decisão do STF no RE nº 605.709, será uma multiplicidade de recursos interpostos perante a Corte, que nos termos do artigo 1.036 do CPC, poderão ser afetados pela ótica dos recursos repetitivos, de modo que nessa circunstância, o precedente poderá ser vinculante.
Assim, nos resta acompanhar as decisões da Suprema Corte para verificar se o tema será levado ao Plenário, e reconhecida a repercussão geral, reconhecendo-se o mérito com reafirmação da jurisprudência.
Fonte: JOTA