Considerando o momento de grande instabilidade vivenciada em decorrência das alarmantes notícias acerca da disseminação do Coronavírus (COVID-19), bem como as dúvidas em relação de como essa pandemia pode impactar nas relações trabalhistas, e sobre quais medidas podem ou não ser adotadas pelos empregadores, entendemos ser de grande relevância orientá-los a respeito das regras trazidas pelo ordenamento jurídico atual e as medidas que podem ser tomadas diante da crise mundial que estamos vivenciando, considerando que os efeitos da COVID-19 poderá perdurar por alguns meses.
1) Dos Cuidados com o meio ambiente laboral
De acordo com o artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…); XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”
Além disso, o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de medicina e segurança do trabalho, devendo instruir seus empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, adotando todas as medidas que lhes sejam determinadas pelos órgãos competentes.
Importante ressaltar que, de acordo com o artigo 158 da Consolidação das Leis do Trabalho é obrigação de todo empregado observar as normas de segurança e medicina do trabalho e as instruções dadas pelo empregador, colaborando com a empresa na aplicação de tais normas, inclusive podendo ser penalizado no caso de recusa injustificada de atendimento às determinações relativas às normas de segurança e medicina do trabalho.
Como não existem regras específicas a serem adotadas em casos de epidemias e/ou pandemias, o empregador deverá reforçar todas as práticas de segurança e higiene do trabalho previstas pela legislação e, também, seguir as recomendações divulgadas pelos órgãos da área da saúde e determinações legais sobre o assunto.
2 – Base legal e recomendações dos órgãos da área da saúde
Em 07/02/2020 foi publicada a Lei nº. 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Dentre outras medidas, referida Lei prevê as seguintes providências que podem ser adotadas pelo Poder Público no caso de agravamento na disseminação da COVID-19: I) Isolamento; II) quarentena; III) determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clinicas, vacinação e tratamentos médicos específicos.
No caso de tomada de tais medidas pelo Poder Público, de acordo com o artigo 3º, parágrafo 3º da Lei em referência, o período de ausência decorrente será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada.
Todavia, deve ser ressaltado que as medidas de isolamento e quarentena somente poderão ser tomadas pelos gestores locais de saúde, mediante autorização do Ministério da Saúde, e os procedimentos para tais medidas estão previstos na Portaria 356/2020 do referido órgão.
Diante disso, caso o funcionário necessite se afastar do trabalho em decorrência do coronavírus deverá ter suas ausências abonadas pelo empregador.
Aconselhamos que, nos casos de afastamento superior a 15(quinze dias), o funcionário seja encaminhado ao INSS, todavia, em caso de recusa deste em conceder o benefício auxílio-doença, a empresa deverá continuar pagando os salários normalmente por todo o período de licença do trabalhador.
2.1 – Recomendações do Ministério Público do Trabalho
As principais recomendações trazidas pela Nota Técnica Conjunta nº. 03/2020 do MPT são:
- As empresas devem seguir eventuais planos de contingência adotados por autoridades locais, ou devem desenvolver internamente medidas como: permissão de ausência no trabalho; aumentar a distância entre as pessoas dentro do ambiente de trabalho; redução da força de trabalho necessária; permissão de trabalho a distância (home office), observando o princípio da irredutibilidade salarial;
- Estabelecimento de política de flexibilização de jornada quando serviços de transporte, creches, escolas, dentre outros, não estejam em funcionamento regular, bem como nos casos de trabalhadores que atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade à infecção pelo coronavírus e, também, nos casos de funcionários que são os únicos responsáveis por crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência que necessitem de cuidados em sua família;
- Estabelecimento de política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas, com posterior isolamento e contato dos serviços de saúde na identificação de casos suspeitos;
- Proibição de circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho que possam representar risco à sua saúde.
Além disso, o Ministério Público do Trabalho editou a Nota Técnica Conjunta nº. 05/2020, com recomendações acerca do trabalho de aprendizes, estagiários e colaboradores menores de 18 anos com as seguintes orientações, entre outras:
Aulas teóricas da aprendizagem deverão ser interrompidas de imediato, salvo se passíveis de serem ministradas na modalidade à distância e, ainda assim, desde que possuam plataforma aprovada pelo Ministério da Economia;
Os empregadores devem interromper de imediato as atividades práticas, garantida a percepção da remuneração integral, por aplicação analógica do artigo 60, parágrafo 3º, da Lei nº. 8.213/91;
As entidades concedentes de estágio, públicas ou privadas, devem interromper as atividades presenciais de estágio, substituindo-as por atividades remotas, desde que possível;
Os órgãos públicos, organizações da sociedade civil e unidade do sistema nacional de atendimento socioeducativo concedentes da experiência prática da aprendizagem deverão interromper as atividades do programa de aprendizagem profissional;
Como não foi indicada data para o término da interrupção das atividades ou as medidas de caráter emergencial que objetivam assegurar a saúde da população, entende-se que todos os órgãos, instituições e entidades que ministram aprendizagem profissional ou figurem como entidades concedentes do estágio ou da parte prática da aprendizagem, bem como as empresas devem ficar atentos às orientações e determinações os órgãos e autoridades da área de saúde, bem como Decretos e outros atos normativos que vierem a ser editados.
Enfatizamos que todo plano de contingência de medidas adotado internamente seja devidamente documentado e publicado internamente para evitar aplicação de multas no caso de eventual fiscalização pelos órgãos responsáveis.
3 – Plano de Contingência
Com o intuito de auxiliá-los sugerimos que seja adotado o seguinte plano de contingência para prevenção do coronavírus (COVID-19):
- Intensificação na rotina de higienização nos locais identificados como principais pontos de contato dos funcionários e/ou clientes e/ou fornecedores;
- Orientação aos funcionários quanto as rotinas de higienização implementadas, devendo ser providenciada lista de presença para que eles assinem;
- Aplicação de advertência escrita para os funcionários que se recusarem a acatar as medidas de higiene implementadas pela empresa;
- Distribuição de dispensadores com álcool gel em toda a empresa, principalmente em áreas com maior concentração de funcionários e/ou clientes e/ou fornecedores;
- Instalação de dispensadores com álcool gel nas portas dos elevadores;
- Substituição dos sabonetes comuns dos banheiros por sabonetes antibacterianos;
- Intensificação na rotina de limpeza de toda a empresa, especialmente, maçanetas das portas, corrimões, banheiros, torneiras, mesas, cadeiras, refeitórios, balcões e maquinário de trabalho;
- Monitoramento para que não falte papel toalha para secagem das mãos;
- Desativar temporiamente bebedouros ou disponibilizar copos descartáveis próximos aos bebedouros;
- Monitoramento diário do estado de saúde dos funcionários com as devidas anotações nos seus prontuários;
- Todos devem intensificar os cuidados pessoais e aprender quais são os sintomas do coronavírus;
- Procurar suporte médico imediatamente caso sejam identificados os sintomas do coronavírus;
- Todos devem lavar as mãos frequentemente com sabonete e fazer uso do álcool gel;
- Manter uma distância segura de dois metros sempre que for conversar com alguém;
- Não cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar. Utilizar lenços que devem ser descartados imediatamente ou cobrir a boca e o nariz com o braço;
- Manter todo o ambiente da empresa ventilado;
- Evitar locais com alta concentração de pessoas;
- Não cumprimentar as pessoas com as mãos ou com beijos e abraços;
- Não compartilhar objetos de uso pessoal.
Ressaltamos que os principais sintomas do coronavírus são: DIFICULDADES RESPIRATÓRIA, FEBRE E TOSSE.
4 – Medidas que podem ser adotadas
Considerando que o cenário atual impactará diretamente nas atividades empresariais, a fim de se evitar demissões, as seguintes medidas podem ser adotadas:
- Home office;
- Antecipação de férias individuais anuais;
- Decretação de férias coletivas;
- Adoção e ampliação de banco de horas, devendo ser observadas as regras previstas na CCT para adoção/alteração de tal regime;
- Redução da jornada de trabalho e do salário nos casos em que tenha Acordo Coletivo ou CCT com tal previsão;
- Em caso de prejuízo devidamente comprovado poderá haver a redução de 25% da jornada de trabalho geral com a redução proporcional do salário do empregado, respeitando, em qualquer caso, o salário mínimo da região, devendo esta possibilidade constar em Acordo Coletivo ou CCT;
- Nos casos de pequenas ausências, poderá ser feita a compensação da jornada de trabalho através de acordo individual escrito ou tácito para compensação no mesmo mês;
- Nos casos de rescisão do contrato de trabalho fundamentada na pandemia a multa do FGTS será de 20%, considerando que a situação se enquadra no caso de força maior previsto no artigo 501 da CLT.
5 – Pacote de medidas adotadas pelo Governo através da MP 927/20
Foi publicada hoje a Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).
De acordo com a referida MP as medidas trabalhistas poderão ser aplicadas durante todo o período de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo número 06 de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do artigo 501 da CLT.
A MP prevê a possibilidade de celebração de acordo individual escrito entre empregador e empregado com vistas à manutenção do vínculo empregatício, o qual prevalecerá sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, desde que respeitados os limites constitucionais.
Além disso, a MP estabelece as seguintes medidas emergenciais:
I – TELETRABALHO
No período do estado de calamidade pública, fica a critério do empregador alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, não havendo necessidade de aditivo ao contrato de trabalho com tais alterações. No entanto, o empregado deverá ser notificado com antecedência mínima de 48(quarenta e oito) horas sobre a alteração, por escrito ou por e-mail.
Questões relacionadas à aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos e infraestrutura necessários e adequados à prestação do teletrabalho e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado deverão ser previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30(trinta) dias, contado a partir da mudança de regime de trabalho.
Caso o funcionário não disponha dos equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, o que não caracterizará como verba salarial.
Em relação aos estagiários e aprendizes, a MP permite a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância.
II – ANTECIPAÇÃO DAS FÉRIAS INDIVIDUAIS
Durante o estado de calamidade pública as férias individuais poderão ser antecipadas, devendo o funcionário ser informado sobre a antecipação com antecedência mínima de 48 horas. A comunicação deverá ser por escrito ou por e-mail, com indicação do período de gozo.
De acordo com a MP as férias não poderão ser inferiores a cinco dias corridos e poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que não tenha transcorrido o período aquisitivo.
Trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus têm prioridade para o gozo de férias, individuais ou coletivas.
O pagamento da remuneração das férias concedidas em razão do estado de calamidade pública poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.
O empregador poderá optar por pagar o adicional de um terço de férias após sua concessão, até a data em que é devido o décimo terceiro salário, ou seja, até o dia 20 de dezembro.
III – FÉRIAS COLETIVAS
Fica a critério do empregador conceder férias coletivas para todos os empregados ou para determinados setores da empresa, devendo os funcionários serem comunicados com antecedência mínima de 48 horas, não sendo necessária a comunicação prévia ao Ministério da Economia e sindicatos da categoria.
IV – ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS
Durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.
Os feriados também poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas. Todavia, o aproveitamento de feriados religiosos dependerá da concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.
V – BANCO DE HORAS
Ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias e poderá ser determinada pelo empregador sem a necessidade de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.
VI – SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
Fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.
Encerrado o estado de calamidade pública os exames médicos ocupacionais deverão ser realizados no prazo de 60 dias.
Se o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a suspensão representa risco para a saúde do empregado, deverá indicar ao empregador a necessidade de sua realização.
O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias.
Fica, também, suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.
Referidos treinamentos, no entanto, deverão ser realizados no prazo de 90 dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Os treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança e as comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.
VII – DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
Os empregadores poderão suspender o recolhimento do FGTS dos trabalhadores referentes às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimentos em abril, maio e junho de 2020, independentemente do número de empregados; do regime de tributação; da natureza jurídica; do ramo de atividade econômica; e da adesão prévia.
O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos legais.
Havendo rescisão do contrato de trabalho, o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos previstos em Lei, caso seja efetuado dentro do prazo legal estabelecido para sua realização.
No caso de inadimplemento as parcelas estarão sujeitas à multa e aos encargos devidos nos termos do artigo 22 da Lei 8.036/90, e acarretará no bloqueio do certificado de regularidade do FGTS.
VIII – APRENDIZES, TRABALHADORES RURAIS E EMPREGADOS DOMÉSTICOS
As disposições previstas na MP em questão podem ser aplicadas aos aprendizes maiores de 18 anos, e aos trabalhadores rurais, e, no que couber, aos empregados domésticos regidos pela Lei Complementar 150/2015, tais como jornada, banco de horas e férias.
Finalmente, deve ser ressaltado que, nos termos do artigo 36 da MP 927/20, as medidas que foram adotadas pelos empregadores no período de 30 dias anteriores a sua entrada em vigor (23/03/2020) ficam convalidadas.
Esperamos ter contribuído, através destas considerações, para o esclarecimento das principais dúvidas trazidas pela situação vivenciada em decorrência da pandemia, no que se referem às relações trabalhistas.
Alyne Conti Damiani Ferreira
OAB/PR 93.264