Diante do cenário atual vivenciado mundialmente, muito tem se perguntado sobre a possiblidade de responsabilização do empregador no caso de contaminação de seus trabalhadores pelo coronavírus (COVID-19), sendo objetivo deste estudo o esclarecimento dos dispositivos constitucionais e legais vigentes que tratam sobre a responsabilidade civil do empregador e quais as medidas que devem ser tomadas a fim de diminuir ou mesmo eliminar os riscos de uma possível responsabilização, considerando se tratar de fato antes nunca vivenciado, bem como por não existir regras especificas em nosso ordenamento jurídico a serem adotadas em casos de epidemias e/ou pandemias.
A Lei nº 8.213/91 em seu artigo 118 garante a todo trabalhador que sofreu acidente no ambiente laboral a manutenção do seu contrato de trabalho pelo prazo mínimo de 12 meses, contado da alta previdenciária. De acordo com o referido dispositivo legal, para que o trabalhador faça jus à referida estabilidade provisória deve cumprir dois requisitos de forma cumulativa: ter sofrido acidente de trabalho ou possuir doença ocupacional, bem como ter permanecido afastado do trabalho mediante a percepção do auxílio-doença acidentário.
Ressalte-se que, embora o dispositivo em referência determine como um dos requisitos para percepção da estabilidade provisória a necessidade de afastamento do trabalho mediante auxílio-doença acidentário, o entendimento consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho, através da Súmula 378, é de que esta regra não é aplicável aos casos de reconhecimento de doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de trabalho, após a dispensa do trabalhador.
Portanto, mesmo que durante a contratualidade o funcionário não tenha se afastado do trabalho mediante o recebimento de auxílio-doença acidentário, se ficar constatada, através de perícia médica, que sua doença guarda relação com as atividades que eram executadas na empresa, o mesmo fará jus à estabilidade acidentária.
Além de tal garantia, no período de afastamento do trabalhador, decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, o empregador deverá continuar depositando mensalmente o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS no percentual de 8% na conta vinculada do trabalhador, ao contrário do que acontece nos casos de afastamento previdenciário comum, que é aquele que não guarda qualquer relação com a atividade laboral, ou seja, decorre de fatores externos, completamente estanhos ao trabalho, ou possui natureza degenerativa. Nesta hipótese o trabalhador não possui direito à estabilidade provisória prevista na Lei Previdenciária, tão pouco a empresa estará obrigada a realizar os depósitos mensais de FGTS no período de afastamento.
Importante ressaltar que é considerado acidente de trabalho qualquer evento ocorrido com o trabalhador no exercício de suas atividades dentro das dependências da empresa, causando-lhe lesão corporal, perda ou redução da capacidade laborativa, de forma temporária ou permanente ou lhe cause a morte.
Além disso, nosso ordenamento jurídico equipara a acidente de trabalho qualquer doença que seja reconhecida como ocupacional.
Quanto à responsabilidade do empregador no tocante ao acidente de trabalho ou doença equiparada, existem duas correntes doutrinárias acerca da responsabilização. Uma entende pela aplicação da responsabilidade subjetiva, a outra pela responsabilidade objetiva, sendo necessário estabelecer a principal diferença entre elas.
O pressuposto para o reconhecimento da responsabilidade subjetiva é aquele exposto pelo artigo 927, do Código Civil, que assim estabelece: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
De acordo com tal determinação civilista, para que o empregador possa ser responsabilizado, será necessária a prática de ato ilícito.
Já a responsabilidade objetiva está pautada no parágrafo único do artigo 927, que assim determina: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Os doutrinadores que entendem pela responsabilização objetiva do empregador se baseiam na segunda parte do parágrafo em referência, ou seja, no risco da atividade.
Porém, referido dispositivo deve ser interpretado com restrição, uma vez que a regra geral exposta pelo mesmo dispositivo legal é o da responsabilidade subjetiva.
No mais, deve também ser considerado que o “risco da atividade” como disposto pelo texto legal, deve ser aquele risco desenvolvido de forma permanente pelo autor do dano.
Quanto a isso, o plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 828.040 no dia 12/03/2020, fixou tese de repercussão geral que define os critérios para concluir pela responsabilização do empregador em casos de danos ao trabalhador causados por acidente de trabalho, no sentido de que é constitucional a responsabilização objetiva, desde que as atividades do empregado sejam consideradas de risco e que tais atividades sejam desenvolvidas de forma permanente.
Deste modo, a regra geral nos casos de acidente de trabalho ou doença equiparada é a responsabilização subjetiva do empregador, tratando-se de exceção a responsabilidade objetiva.
Ademais, de acordo com o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”
A interpretação do referido dispositivo constitucional não permite dúvidas da necessidade de comprovação do dolo ou culpa do empregador para que lhe seja imposta qualquer responsabilidade pela ocorrência de acidentes do trabalho ou doença equiparada.
Por outro lado, a Carga Magna garante a todo trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Portanto, é obrigação do empregador cumprir e fazer cumprir todas as normas de medicina e segurança do trabalho editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, como disposto no artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo dever da empresa adotar todas as medidas necessárias, bem como instruir seus funcionários quando às precauções que devem ser tomadas para a ocorrência de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.
Portanto, é dever constitucional do empregador manter um ambiente de trabalho completamente sadio e seguro para seus funcionários, através do fornecimento de todo o material necessário para o desempenho de suas atividades, bem como através do fornecimento dos Equipamentos de Proteção Individual e Coletivo necessários, realização de treinamentos específicos para as atividades que irão desempenhar, orientando os trabalhadores em relação a ergonomia adequada na realização de suas atividades a fim de evitar a ocorrência de doenças ocupacionais, implementando a ginástica laboral, bem como submetendo seus trabalhadores aos exames médicos ocupacionais periódicos como determina a NR-7 do Ministério do Trabalho e Emprego, além da observância de tantas outras medidas previstas na referida Norma Regulamentadora do MTE.
Em relação à pandemia, como já ressaltado, não há em nosso ordenamento jurídico regras especificas quanto ao tema, cabendo ao empregador reforçar todas as práticas de segurança e higiene do trabalho previstas pela legislação de um modo geral, e, principalmente seguir todas as recomendações divulgadas pelos órgãos da área da saúde, considerando tratar-se de questão de saúde pública.
Além disso, cabe ao empregador fiscalizar o cumprimento de tais regras pelos trabalhadores, inclusive, aplicando as penalidades cabíveis em caso de inobservância de determinações relacionadas à segurança e medicina do trabalho, considerando que, nos termos do artigo 158 da CLT, é dever do trabalhador não só observar as normas de segurança e medicina do trabalho, mas, também, colaborar com o empregador para a sua aplicação, constituindo alto faltoso a recusa injustificada por parte do trabalhador.
Neste ponto comungo do entendimento de que, se o empregador adota todas as medidas atinentes à medicina e segurança do trabalho e, neste período de pandemia, adota todas as medidas e precauções necessárias a evitar a contaminação do trabalhador, fiscalizando ostensivamente o cumprimento de tais medidas, é possível afastar a sua responsabilização, na medida em que, assim o fazendo, não será possível que lhe seja imputada qualquer conduta ilícita passível de reparação, seja na esfera material ou extracontratual, considerando que para restar configurado o dever de indenizar, é imprescindível a presença dos requisitos previstos no artigo 186 do Código Civil, de forma cumulativa, ou seja, fato lesivo causado por ação, omissão, negligência ou imprudência; ocorrência de um dano; nexo de causalidade entre o dano e a ação do agente.
Importante esclarecer que, na ausência de qualquer um desses requisitos não há que se falar em responsabilização do empregador.
Portanto, embora o artigo 29 da Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020 estabeleça que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, ainda assim, para afastar o risco de eventual reconhecimento da responsabilidade civil no caso de contaminação do trabalhador, é imprescindível que o empregador observe rigorosamente todas as normas atinentes à medicina e segurança do trabalho, em especial, as recomendações emanadas dos órgãos da área da saúde, considerando o dever constitucional de manutenção de um ambiente laboral sadio para os seus colaboradores.
Agindo desta forma será possível afastar eventual alegação de ato ilícito do empregador decorrente de omissão em relação aos cuidados com a saúde de seus trabalhadores e, consequentemente, a sua responsabilização no caso de eventual contaminação do trabalhador.
Alyne Conti Damiani Ferreira
OAB/PR 93.264