Recentemente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que é órgão responsável pelo julgamento em segunda instância dos processos administrativos fiscais, decidiu que as despesas com água para irrigação de lavouras podem ser utilizadas pela pessoa jurídica produtora rural para a tomada de créditos em relação ao PIS e à Cofins (acórdão 3402-004.074). Trata-se de importante decisão, que demonstra certa estabilização na jurisprudência do Carf a respeito dos créditos passíveis de aproveitamento pelo produtor rural.
As contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e a para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) são tributos devidos pelas pessoas jurídicas e que foram instituídas, respectivamente, pelas Leis Complementares 07/1970 e 70/1991. Posteriormente, nos anos 2002 e 2003, foi instituída a sistemática de arrecadação não cumulativa destas contribuições, por meio das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Esta sistemática não cumulativa de apuração permite que o contribuinte desconte créditos apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa jurídica, reduzindo, assim, o montante de tributo a ser recolhido ao final da sua operação. A grande dificuldade desta sistemática está em determinar o que dá direito à apuração de créditos.
Tanto a Lei 10.637/2002, como a Lei 10.833/2003 trazem em seus respectivos artigos 3º, inciso II, a previsão de que o contribuinte poderá utilizar créditos referentes a “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda (…)”. Portanto, a questão reside na definição do que pode ser considerado como insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins.
Ao analisarmos a situação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), constatamos, em breve síntese, que é considerado insumo tudo aquilo que se incorpora ao produto final. Este critério, chamado de “critério físico”, foi inicialmente utilizado pelo Carf para os casos de PIS e Cofins, embasado nas Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal de números 247/2002 e 404/2004. Assim, o Carf entendia que o contribuinte somente tinha direito de apurar créditos de PIS e Cofins referentes às aquisições de matéria-prima, material de embalagem e produtos intermediários, os quais deveriam ser incorporados ou desgastados pelo contato físico com o produto final.
Ocorre que este critério do IPI, bastante restritivo, não se revela adequado a situação do PIS e Cofins, na medida em que as materialidades destes tributos são completamente distintas. Basta lembrarmos que a geração de receita demanda diversos bens e serviços que podem não ser demandados para a industrialização de um determinado bem. Ademais, as próprias leis instituidoras da sistemática não cumulativa do PIS e Cofins, conforme visto, preveem que serviços também poderão ser considerados como insumos. E serviços não podem ser considerados em um critério físico como o do IPI.
Então, a jurisprudência do Carf passou a utilizar as regras de dedutibilidade de despesa constantes na legislação do Imposto sobre a Renda (IR) para definir o que seriam insumos. Por esta definição, insumo corresponderia a qualquer despesa, desde que necessária à consecução do objeto social da pessoa jurídica, abrangendo todos os custos realizados. Trata-se de uma conceituação bastante ampla, que permite um largo aproveitamento de créditos.
Mas este entendimento também foi bastante combatido, igualmente pelo argumento da diferença de materialidade entre estes tributos.
Finalmente, em um terceiro momento, o Carf passou a entender que o direito a tomada de crédito em relação ao PIS e à Cofins exigiria uma maior abrangência do que o conceito aplicável ao IPI, ainda que não tão extensivo quanto o aplicável ao IR. Atualmente, o posicionamento do Carf é de que o conceito de insumo para fins de apuração de crédito de PIS e Cofins não pode ser importado de nenhum outro tributo, não guardando correspondência com o conceito extraído da legislação do IR (bastante abrangente) ou com o do IPI (bastante restritivo).
O Carf tem se manifestado no sentido de que o conceito de insumos para PIS e Cofins deve guardar relação com os bens e serviços que sejam utilizados, direta ou indiretamente, pelo contribuinte na sua atividade, sendo indispensáveis para a formação do produto ou serviço final e, ainda, estando relacionados ao objeto social do contribuinte.
Em algumas decisões mais recentes, o Carf tem feito menção também ao “custo de produção”. No acórdão 3402-002.603, por exemplo, podemos verificar que foram considerados como insumos os bens ou serviços que compõem o chamado custo de produção, ainda que não totalmente indispensáveis para a formação do produto ou serviço final. Assim, determinado bem ou serviço cuja subtração importe na impossibilidade da produção ou, ao menos, implique em substancial perda de qualidade, poderá ser considerado como insumo, uma vez que integra o custo de produção do contribuinte.
Percebe-se, portanto, uma tendência no sentido de tornar o conceito um pouco mais abrangente, a partir da concepção de que os insumos devem estar relacionados ao custo de produção, ainda que não sejam indispensáveis a esta.
No acórdão 3402-003.098, já do ano de 2016, podemos ver a consolidação deste entendimento mais abrangente, no sentido de que insumos para fins de creditamento de PIS e Cofins são todos os bens e serviços essenciais ou pertinentes ao processo produtivo, assim considerados aqueles que integram o custo de produção do contribuinte.
Na jurisprudência do Carf, bastante rica neste tema, podemos encontrar diversos exemplos de bens e serviços que foram considerados como insumos para fins de PIS e Cofins. Já foi reconhecido o crédito quanto às despesas com serviços e materiais de limpeza e dedetização (acórdãos 3401-001.716 e 3401-003.400). Também com relação à bota de borracha, calça de proteção, protetor auricular e indumentária (acórdãos 3402-002.173 e 9303-002.819).
Combustíveis, lubrificantes e graxa; assim como despesas com fretes, inclusive entre estabelecimentos da própria empresa; despesas de energia elétrica; aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos; e despesas de armazenagem também já foram reconhecidos pelo Carf como passíveis de geração de créditos (acórdão 3403-002.472).
Despesas com arrendamento e terraplanagem também já foram aceitas pelo Carf para fins de créditos de PIS e Cofins, conforme os acórdãos 3402-003.817 e 3402-002.566, respectivamente.
E, mais recentemente, o Carf entendeu pela possibilidade de creditamento de despesas com containeres big bag, lacres, sacos polipropileno, fitas adesivas e fio; bem como de despesas com administração, supervisão ou controle agrícola, topografia, alojamento, estradas, cercas, pontes, implementos agrícolas, manutenção de campo, preparo do solo, plantio terceirizado, entre diversas outras (acórdão 3402-004.076).
Enfim, considerando que a definição atualmente utilizada pelo Carf para conceituar insumo envolve a análise da essencialidade ou utilidade para a produção, bem como da composição do custo de produção do contribuinte, este é um tema que demanda grande atenção por parte de cada contribuinte em particular e certamente ainda trará muitas discussões. É importante que a pessoa jurídica produtora rural, contribuinte do PIS e da Cofins pela sistemática não cumulativa, fique atenta a esta constante evolução da jurisprudência, a fim de utilizar os créditos passíveis de aproveitamento da maneira correta, buscando economia tributária.
Por: Clairton Kubaszwski Gama
Fonte: Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-ago-15/opiniao-aproveitamento-creditos-produtor-rural